“Pode ser uma rede pior do que os vistos gold”
- contraarede
- 19 de jul. de 2015
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16 Julho 2015 • Vítor Matos
Em Abril de 2014, Paulo Gonçalves denunciou às chefias, que geriam o PRODER – fundos europeus para o desenvolvimento rural – que um dos seus relatórios tinha sido alterado pela superior hierárquica: "[Foram feitas] alterações aos relatórios de controlo de qualidade sem passar cavaco aos técnicos que os elaboraram", mantendo "o nome do técnico que elaborou o relatório", escreveu num email a que a SÁBADO teve acesso. Antes de entrar em conflito aberto com a hierarquia, este funcionário do Secretariado Técnico de Auditoria e Controlo do PRODER, do Ministério da Agricultura, já teria dito à responsável em causa que não queria ver o seu nome "envolvido em golpadas na atribuição de fundos públicos". Era o início de um processo que culminaria com a não renovação do seu contrato em Outubro de 2014. Despedido do ministério na sequência das denúncias, o ex-funcionário apresentou queixas no Ministério Público e no Tribunal de Contas Europeu contra os superiores hierárquicos, que acusa de falsificação de documentos e de favorecimentos de entidades em processos de atribuição de subsídios públicos europeus. Só os casos que denunciou directamente superam os 200 mil euros. Mais: diz que a secretaria-geral do Ministério da Agricultura está a encobrir estes dirigentes por não cumprir o Plano de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas. Paulo Gonçalves diz ter dúvidas que a ministra Assunção Cristas aceite estas práticas: "Mas alguém próximo dela, na hierarquia, dá cobertura. A ideia que tenho é a seguinte: um ministro sozinho não pode fazer as coisas, ou um secretário de Estado. Tenho porém a certeza que, no Ministério da Agricultura, na Secretaria de Estado, está alguém a dar cobertura a isto. Mas se é o secretário de Estado ou mais abaixo não sei."
O processo teve origem num relatório que Paulo Gonçalves enviou à sua chefe, Sílvia Diogo, a chumbar um projecto de 92,8 mil euros da Naturdelta, do Grupo Nabeiro, para financiar a compra de caravanas para funcionarem como alojamento num parque. O técnico, que tinha a função de verificar a conformidade das candidaturas aos fundos, considerou que as caravanas não estavam abrangidas pelas normas, o que inviabilizava o projecto. Segundo Paulo Gonçalves, a chefe alterou o relatório de avaliação: "Inventou uma nova operação", escreveu no referido e-mail que enviou às chefias. O ex-funcionário acusa Sílvia Diogo de ter apagado partes do relatório original e de ter dado instruções para a Naturdelta alterar o tipo de investimento para um parque de campismo, "off-the-record e fora do período de apresentação de candidaturas para o investimento passar a ter enquadramento na legislação".
Numa entrevista à edição impressa da Sábado, Paulo Gonçalves diz que há no Ministério da Agricultura uma rede mais antiga e profunda do que a dos vistos gold, para favorecer entidades na atribuição de subsídios europeus: "Eu supervisionava os projectos pequenos do subprograma 3, abaixo dos 300 mil euros. Há outros casos onde são favorecidos grandes interesses na área agrícola. Nesse caso pode haver uma rede pior que a dos vistos gold, por ser mais antiga e organizada". Num depoimento em vídeo gravado para a SÁBADO, o ex-funcionário da auditoria do PRODER garante que foi despedido por fazer as denúncias, por ter sido o único em dezenas que não teve o contrato renovado. Afirma que os colegas não o fazem porque têm filhos para criar. "É uma questão de sobrevivência", diz no fim da entrevista.
Entrevista completa de Vítor Matos (Revista Sábado) ao ex-auditor do PRODER Paulo Gonçalves que, estranhamente, por mais uma "coincidência", ficou cortado logo na tarde do primeiro dia da sua divulgação e assim ficou omitido do público quem do Ministério da Agricultura poderá estar no topo da "rede pior do que os vistos gold
Esclarece-se que quando se fala em despedimento de Paulo Gonçalves se quer referir que, no meio de dezenas de trabalhadores nas mesmas condições (cujos contratos de trabalho também caducaram), somente foi invocada "ilicitamente" a caducidade do contrato de trabalho de Paulo Gonçalves, isto é, como não existia qualquer razão para proceder ao seu despedimento tiveram de invocar a caducidade do seu contrato de trabalho.
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